Miguel Esteves Cardoso
-Em bom português, a expressão "Estás com boa cara" significa exactamente: "Ultimamente tens andado com má cara". A partir de uma certa idade, a cara é muito importante. De nada interessa uma pessoa sentir-se bem, ou estar bem, ou mesmo ser bem. Em Portugal, todos os check-ups do mundo não valem o olhinho arguto de um transeunte que diz " Está com má cara".
-Voltar a Portugal é como voltar a fumar: é maravilhoso e, ao mesmo tempo, horrível.
-Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amorcego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
-Quanto mais vou sabendo de ti, mais gostaria que ainda estivesses viva. Só dois ou três minutos: o suficiente para te matar.
-Ser filho é difícil. Mais difícil que ser pai. É raro ouvir-se falar de um "bom filho". Por alguma razão. Os filhos são sempre maus. Mamam e fogem. Sugam os pais até ao tutano, dando-lhes cabo da paciência, da saúde e do orçamento e quando estão anafados e nutridos, licenciados e fresquinhos, chama-lhes senis e dão o solex à primeira oportunidade.