Sunday, March 30, 2014

E porque hoje em dia as pessoas vivem assoberbadas em obrigações, contas, gestão de prioridades, sentimentos, trabalho...gestões... e porque hoje existe facebook, twitter, foursquare e mais outras tantas semi-encenações do que somos/queremos ser. Porque a vida vai rápido demais, porque há a pressão esmagadora de sermos bem sucedidos profissional, social e emocionalmente. E é esta ânsia que, por vezes, leva a que tudo seja descartável, defensivo, agressivo, superficial. Porque somos mais evoluídos, mas não há tempo para fraquezas. Não fica bem, não cai bem.
Temos todos 300 amigos online... Mas quantos deles nos ligam quando estão na fossa? A quantos ligamos quando estamos em baixo?
Às vezes penso que esta nova sociedade vive do "tá tudo super bem". O resto...não é divulgado. Mas não somos todos pessoas? Ou somos super-homens?
A meu ver, somos pessoas, não somos modelos de felicidade e "tá-se bem".
Somos pessoas que erramos, que nos desencontramos, que magoamos sem querer, que falhamos. O que me assusta, é que nesta nova realidade em que não há espaço para partilhar falhas, enganos, desencontros...consequentemente, não haverá tanto tempo para pensar sobre isso também. Todo esse processo será feito de forma mais solitária.
Como dizia Álvaro de Campos no seu poema em linha reta (e no tempo dele não existiam as "feiras das vaidades" das redes sociais):

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?"